<$BlogRSDUrl$>

quarta-feira, outubro 09, 2002

London Conexion

Por Fábio Amato

Lembro bem, como se fosse ontem. Pressionado por um amigo alguns anos mais
velho, ávido para compartilhar comigo o presente, pedi ao meu pai (sim,
porque à época, recém chegado à puberdade, tinha apenas 12 anos) que me
comprasse o disco "Nevermind", do Nirvana, coqueluche do momento.

Lembro também que meu velho o fez meio que a contra-gosto, pois que, na
mesma semana, na revista Veja, em uma entrevista nas famosas páginas
amarelas, nada menos do que Krist Novoselic chamando - para regozijo do
editor que estampou a frase logo no título da matéria - todos os fãs do
Nirvana de "idiotas" (ou seria imbecis). Bom, o fato é que papai não gostou
nada que seu filho, praticamente, se assumisse como um fã-imbecil-do-Nirvana
(ou seria idiota). "O cara está dizendo que os fãs da banda são um bando de
idiotas e você quer que eu compre um disco deles?", perguntou papai. "É",
resumi.

O fato é que eu morava em Mococa, cidade de seus 80 mil habitantes, no
interior de São Paulo. Não se achava o disco lá. "Seu Vicente", então,
aproveitou para comprá-lo em viagem até Ribeirão Preto e me surpreendeu com
o disco, a contra-gosto, repito.

O trio estava no Brasil na época, para aqueles que seriam os dois maiores
shows (e os piores, dizem) do grupo em toda a sua - curta - carreira. Não me
lembro se foi no Rio ou em São Paulo, um registo de 160 mil pessoas. Ouvi o
disco, não entendi muita coisa, e Kurt Cobain e o seu Nirvana não
significaram muito para a minha "iniciação" musical. Eu apenas gostava (e
ainda gosto) bastante de "In Bloom". Mas o meu amigo adorou o disco.

Há umas duas semanas terminei de ler a biografia de Kurt Cobain, "Mais
pesado que o Céu", escrita pelo jornalista norte-americano Charles R. Cross.
Quando comecei a lê-la, tinha dado conta de que já fazia mais de 8 anos que
o pai de Frances puxou o gatilho de um rifle com o cano apontado para o céu
de sua famosa própria boca. Mas quando terminei a leitura da última página,
pouco tempo depois, a minha sensação foi de espanto. Recordei que fiquei
sabendo da notícia pouco depois de acontecido, por um flash ao vivo na MTV:
"Primeiras notícias dão conta de que Kurt Cobain teria cometido suicídio",
relatava um cabeludo Gastão Moreira.

Um dos livros mais emocionantes que já li. Talvez para muitas pessoas, não
sejam nada surpreendentes as revelações sobre a juventude de Kurt, o início
de seus envolvimentos com as drogas (quando ele não tinha dinheiro para
comprar ácido ou então maconha, costumava inalar latas de produtos com
aerosol para ficar chapado). Mas imaginar o futuro líder do Nirvana se
remoendo em remorsos por ter pisado em seu rato de estimação e o matado sem
querer, ou então tentando salvar a vida de uma pomba com a asa ferida,
levando a ave até a casa de uma senhora que cuidava de animais, em Aberdeen,
sua terra natal, talvez para muitos (eu incluso) seja algo suficientemente
chocante.

Momentos hilários do registro das turnês, como o show do Reading, em 1992,
em que Cobain entrou no palco de cadeiras de rodas (querendo tirar um sarro
dos rumores de que ele estava morrendo e que a banda iria acabar), ou então
a apresentação ao vivo, no mesmo ano, para o Video Misic Awards, da MTV, são
obrigatórios. Kurt queria tocar "Rape me", que critica, entre outros, a MTV.
A emissora queria "Lithyum", e inseguros e sem terem como prever o que o
vocalista faria na hora, planejaram que colocariam os comerciais caso ele os
enganasse e tocasse a canção indesejada. Na hora da apresentação, Kurt
começou a dedilhar sua guitarra e, de repente, surgiram os primeiros acordes
de "Rape me". Atônitos, técnicos da MTV correram para as cabines de controle
para jogar a transmissão para os comerciais, mas antes disso a banda emendou
para a música combinada, provocativos.

A parte final, quando Cross relata as dores crônicas de estômago, o vício
de Cobain na heroína e como a droga o consumiu pouco a pouco é
impressionante.

Afinal, o livro liga os holofotes na pessoa Kurt Cobain, alguém de carne e
osso, uma pessoa capaz de amar sua filha tanto quanto desejar acabar com a
vida. Abri meu armário. Peguei o disco guardado, capa azul, um bebê nadando
em direção a uma nota de dólar presa em um anzol. Ouvi de outra maneira. Fã
ou não, vale a pena ler.

Contato: londonconex@hotmail.com

This page is powered by Blogger. Isn't yours?